26.7.12

simples (nada mais que o pedido)

Tenho sempre nos dias seguintes o trabalho de me despelar de ti, de te tirar assim, dos poros, da pele onde num instante te entranhas. Tenho por ti, porque assim o precisas. Para mim nada seria mais simples. Sei que nenhum de nós já se tem só à superfície e agrada-me esta harmonia, simples, de que em cada encontro tudo seja tão fluído, fácil. De que os lábios tremam e nos contorçamos de prazer, de que a conversa corra tão bem quanto, entre, durante, a cama. E de que cada vez haja um pouco mais do que não consigo nomear, mas temos. Não lhe chamo magia, nem paixão, nem amor, nem nos considero encanto, é mais um regato de duas fontes, que há de correr até uma arranjar novo desvio.  E entre bons amigos e amantes perfeitos, despreocupo-me, cedo, vivo, sorvo-te e sou sorvida, até ao dia que deixar de ser... porque não será mais simples. Engraçado como tanto fogo, dos dois pavios torcidos, continua, é, a cada noite não dormida, mais água, mais poça, mais charco, onde vivem rãs, pensamentos e peixes. Um estagnado vivo. Parece-te, para mim é, simples.

18.7.12

missiva em claro azul

Quinta volto aí. E imagino logo o convite para um cafézinho. Sabendo a recusa, enceno na minha cabeça o que te diria. De como me sinto perdida e nada está a ser tão perfeito como deveria. De que a cada queda ou alto se torna tão fácil imaginar o teu sorriso. De que me lembro, muito, de tanta cumplicidade e conversa, de tanto carinho, abraço e que por muito que o tempo passe continuará gravado no pescoço o mesmo beijo. De que nunca te esqueço nem quero largar da mão o que sinto e senti e que talvez seja preciso outra grande paixão para esquecer um grande amor. Que sei tudo isto a saber que qualquer futuro seria longe do quereríamos, mais, mas bem mais longe do que esta maria anda de ti faz mais de um ano. 
Contar-te-ia que nada do que me propus cumpri, que me sinto triste e fraca comigo mesmo, mas que nada disso interessa porque sei que sentir-me grande outra vez não mudará o que sinto por ti. Falaria nos sonhos e lembranças, nas histórias que me ocorrem, em como sorrio de mansinho e olhos brilhantes cada vez que lembro o limbo do pudim. Em como me fazes falta de qualquer maneira, em como me faltas tanto como amigo. E íamo-nos rir, muito, quando te dissesse que o quebra-cabeças do comando, com que andamos tanto às voltas era só um problema de suporte, que nunca foi preciso mudar a pilha. E dava-te a mão no momento em que confessasse quantas vezes já parti o coração sem mais nada te dizer, mas a contar sempre com um respeito de homem grande por me ver. Ias-me saber tão diferente em tanta coisa, com tantas marcas novas, que viria apenas uma desaprovação da qual me ia rir de fininho por ainda te conhecer. Havias de me ver igual em tantas outras. Desaprovar o gato, as novas ideias e aventuras de costas e mãos, criticar intensamente as falhas feitas como só quem me amou tanto e tanto esperava o poderia fazer. 
Ias-me ver. E eu, ia te ver. E ia querer abraçar, tocar, perceber se o cheiro seria o mesmo por entre o chá no meio da mesa. E sorrir, muito, por saber que já és de outra ou que de ninguém queres ser, por saber que não és meu há tanto tempo quanto o meio do descarrilar, mas por te ver, por uma parte de ti ainda me ter. E eu te ter, sempre. Sem querer mais nada que um café. A conter as lágrimas de uma felicidade de partilhar mesa e conversa e da dor de tudo já ser tão longe do que foi. Mas ser.
Volto-te a dizer, ninguém me ensinou a desamar. E a ti, ensinaram-te a nunca quebrar as promessas. 
Com quem as queres cumprir é que vais ter sempre que escolher.

15.7.12

coração bailarina torta

O mesmo passo doble, vezes sem conta, sempre numa primeira certeza que desta vez não vou tropeçar. O mesmo tropeço no ar, bobo, sem queda, com graça e no pouso seguinte a conseguir equilibrar. A historia do sorriso, a historia do outro, uns sonhos bem parecidos, um beijo, dois, mais doce, terno e a segurar, o travo de um mordo na boca, a capacidade de suar. Acredita-se no passo maior, em paradoxo vocaliza-se o não acreditar, contradiz-se a beleza da sonhadora ao dizer nunca projectar. 
Porque se quer sempre o tudo no agora. Máxima de coração solto, nunca esperar. 
E os nuncas que se perdem enquanto se continua a tentar... Arranjam-se as mesmas fitas, arranjos e laçarotes do mesmo sítio, encontram-se peças de encaixe tão livre, aumentam-se as visões que se podiam compartilhar. E a dança quebrada que só tu sabes não resultar. 
Coração nómada, pradaria, coração índio, de nariz alto porque nunca se mostra a quebrar. E a busca contínua do primeiro caminhante para a tribo que queres fundar. Podia ser o outro pelo encosto, aquele pelo insólito, ela pelo fascínio, o dos olhos da preguiça, o das palavras que nunca deviam ter sido ditas, este pelo mesmo procurar.
Podiam ser todos e tudo ser perfeito, arrítmico, descoordenado e a cada momento feito,  contemporâneo...
mas ainda não há quem queira caminhar. 
E sem pés valentes, sem gente sem medo de tropeçar, sem bravos abertos, assim não se pode, não se quer bailar.
Pede-se improviso.
e um pouco de arrebatar.
Eu, por enquanto, ainda não perco o sorriso. E esse,  sabe-se ainda que me vai acompanhar.