29.8.12

Maria Transmontana

Quem aqui chega admira, contempla e por uns dias respira. Quem aqui fica endurece, de tanta pedra e terra, um endurecer magnânimo, fixo em força de ser si mesmo. Afinal, não somos do mar, não somos corpos fluidos, moles e líquidos. Os mais bonitos são cristais, os puros, granito. E sente-se a terra a crescer-nos nos pés, para dentro, para o vale, como todos os pensamentos. Escorregando do monte olhar para os mais fundos regadios. E perde-se a cabeça no meio de tanto céu e estrelas, amedronta-se-nos a alma de tanto isolamento. E encontram-se um, dois, como nós mas nesta busca tão funda cada um segue o seu freio e o seu rio. A cada um seu risco.
O sorriso abre-se, e os braços estão abertos a quem quiser entrar. O sentimento, esse fica, consentido, a quem se provar, ao que se provar. E, enganados que se abandona o coração, crescem só veredas que servem para o amparar. 
Cheguei cá cheia de ondas, com demasiado vem e vai para uma terra que se quer arada só no tempo certo, mais do que de peito aberto, de coração exposto, desenhado em cada extremidade, ornamentado e demasiado fácil de se roubar. A cada dia reaprendo o que se pode dar de oferta, que os sapos criados vou ter que ser eu a matar, haja força e faca de ponta dupla afiada. A mesma da qual cresci ao lado. 
Desta vez não se partiu o órgão, não quebrou nem ficou estalado. Arranquei o de mão cheia, resoluta, engranitada. Aos poucos a saber a que dou as partes do que restava. A que campo e com que enxada. E ainda com pés de fada, ou asas de besouro fascinada, permito-me rodopiar, mas o essencial, o que lá está, agora merecido e ganhado. Ou a chave certa ou um sagrado pé de cabra.

5.8.12

por causa de b.

O mesmo, com vários nomes, encerrando em cada identidade uma nova história, sabendo-se apenas uma repetição de si mesmo. Nos teus olhos que no fim só viram o amarelo baço e as sombras, na barba rala e grisalha que distinguiu, com a única nitidez da virtude e verdade, todas as formas, pendurada como musaranho cego na perfeição das tuas letras, aprendo. Como me ensinas quando reclamas novas identidades, nacionalidades diversas, em passeios e caminhos que descreves com a certeza de ter lá passado. Tu e os teus outros.  E assim aprendo o duplo de mim mesmo em cada façanha e memória. E vejo-as escritas no coração oco, espaçoso, adornado, com tanta parede diagrama, onde me entre-vejo sempre como a rival de mim mesma. Mesmo a que desenho, branca e angulada (e por momentos lhe invejo a beleza, o encanto que não conheço), a outra de cara mais redonda, a de corpo de atleta e a bailarina. As que dizem que aquele é delas, as que me retiram as possibilidades com outro. Todos os outros são o mesmo. E se aqui não estão é porque o que é meu está nas minhas mãos e nada meu nem tenho com quem rivalizar.
Desdobra-se este dia e noite, entre o sonho, sono, e uma vigília demasiado distante do pensamento para me querer acordada, a mesma mensagem. O finito de contradições que temos que nunca chegará para abarcar uma história. Esta histeria de querer o que não me pertence. Um que era dois e sempre o errado a ouvir a confissão repetida. Já não estou no corredor escadas que facilmente subia e descia, mas no sonho amplo e azul, as palavras, não as mesmas, mas suas duplas. E enquanto continuar nesta vertigem de coragem abrupta e medo de não ser, roo a tristeza, peso mais do que devia, elimino todas as chances de ter ao reencená-las e entrevê-las. Vivo, enceno, mato, os múltiplos duplos, sem precaver qual fica fora do papel ou da cabeça. Sem querer saber. Vai ser sempre uma surpresa.
E entre a nórdica e o mar, entre a viagem e a descida à terra, criam-se novas linhas, novos cruzamentos e tudo será ainda melhor, ou um tanto pior do que o revisto.
A vida não revisita os sonhos, nem repete os desejos e medos. Restam-me as duplicidades, as multiplicidades e novas metáforas de viver. Resta-me a insatisfação, novas marcas prometidas, voos iguais e diferentes, novos limites, vãos mais profundos. Resta-me esperar que o tempo passe, descobrir mais prazer e dor, morder o lábio a cada palmada e derreter-me a cada colo dado. 
insatisfeita, sonhadora, sabendo que não há já vistos, ansiando passaportes e metas cumpridas, mas sem conseguir que os braços parem, que a carne destempere, sem conseguir parar de querer.
a ver o possível contigo, a recontar as palavras e dias de tudo para lhe espremer significado, maior. 
a esperar outro.
Enquanto cura o coração ferida, mordida, picada na mão e me relanço na loucura de acreditar em mais um, bravo. Aplaudo e continuo.
a ser.
ansiar.
a
ansiar.
mais duplos de contos diferentes. mais. tudo.
ou um pouco apenas para saber viver. seria quanto baste por agora, embora saiba que lá vou querer sempre o tudo. quanto posso dar. todos os duplos para a entrega de novas identidades. as completas.