27.3.07

AS DECISÕES A QUE O MAR ME OBRIGA


No dia em que escaldo os ombros Yemanjá leva-me a aliança. Os Orixás de novo trabalham juntos. Um vergasta-me com tudo o que deixo pendente, ela, a grande e carinhosa, anuncia o fim do amor romântico. Está morto, estão mortas as promessas que só eu a mim me faço, os e se e os para sempre, o térmito do aconchego e das desculpas folgadas agarrada à saudade e a um lençol.
Quero que exista hoje, com a consciência que estás para chegar. Que me baste, muito ou pouco, o que tenho, sem mais nada para agarrar.
Que não haja mentiras nem sonhos daqueles que só a mim me enganam ao os querer concretizar. Já não ficam no armário as tragédias de menina e, não te preocupes, não vou deixar de te amar. Faço o que um dia te disse que queria mudar, amadureço o meu amar. Agora podes saber que é uma mulher que te ama. E o próximo anel que seja um pedido, sem ter que o procurar.
Assim, dedo nu e cabeça fria. De anseios, as esperanças: um dia não ter que optar, a largura dos caminhos, os pés quentes, muita terra batida e no asfalto os livros a sublinhar.

24.3.07

CONFISSÃO EM TRÊS RECADOS





...ou: quando a garganta aguenta, as mãos fazem o trabalho
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O mar hoje está cor-de-rosa. Lembra-me o homem mutável e todos os prazeres que não sei se guardo ou deixo para traz.
Pela primeira vez, o calor não é abafador e os meus braços arrepiam com o frio. Em todo o caso, nada importa. O espaço sim, o tempo não.

Continuo à espera das ligações de amigos, de respostas, comentários, e, principalmente, daqueles que me rejeitam. Como esses se tornaram importantes. Acredito ainda nos convites a longo prazo, para projectos futuros pendurados no passado. De promessas que até podem ser quebradas, dos abraços que ficaram por dar.

Se a chuva aqui é miudinha e aí já chegou a primavera, pergunto-te se ainda não encontraste a flor que me deves. Quanto tempo mais vais remoer a distância que não sentes por ninguém, as histórias que nem chegaram a acontecer. Como de repente passaste a dar um gesto em vez da mão e se alguma vez fingiste a irmandade que agora pareces esquecer.
Se cometi algum erro, foi levar-te a sério tempo de mais. Contudo, prefiro acreditar que o afecto é maior e que tudo voltará a ser melhor que antes. Se me julgas é porque nunca me chegaste a conhecer. Apenas encheste o ego e a barriga ao partilhar as tuas festas comigo e com os outros.
Um dia quero saber que me engano. Que nos enganamos os dois ao pensar. E, entre risos e bagaço, olhares cúmplices de dois que podiam ser irmãos, o orgulho estampado nos sorrisos, adivinhando que, mais uma vez, podemos crescer os dois juntos, sem que agora sejas só tu a ensinar.



MANIFESTO CORPO MULHER



Descobri os verbos dos meus desenhos. Eu quero. Eu posso.
Encontrei o prazer de me olhar nos olhos dos outros e a tolerância nos ouvidos combativos. A vontade está nos meus braços e a força entre as pernas.
O gosto na minha boca é ser mulher, mas no sorriso guardo um tesão de homem.
Nas obrigações, os direitos: recusar um galanteio, beijar os amigos, passear com estranhos em nenhures e declinar os convites que me amordaçam a barriga. Nos cabelos, todas as ideias que um dia irei cortar. Nas unhas, o resto das feras que enfrento ao casar o lobo e a virgem que fazem da cabeça coração arena de lutas e campo de amassos. Os cotovelos ficam afiados com tudo o que evito dizer e a língua amolece ao segurar o entusiasmo com os dentes. No peito, levo a crença de que tudo sou capaz. Nas mãos, a cura e nos punhos a liberdade. Pés que caminham sempre em frente com a guita no tornozelo, puxando, puxando a casa. Ter as costas quentes de trabalhos e a garganta aberta para os gritar. Juntar o rabo acomodado aos joelhos que não querem parar. Nos dedos todos os cálculos, dedilhando um no próprio prazer. Na pele todo o sol, todo o mar e toda a vida que é suor. No sangue, dever de amor-livre, ser tua, escolha minha, e o rubor numa caixinha até voltares.